Hoje a seleção de Costa do Marfim é considerada uma das mais fortes da África,
bem conceituada no mundo do futebol, disputou as três últimas Copas do Mundo,
foi vice-campeã africana em 2006 e 2012 e revelou craques como Yaya Touré ou
Didier Drogba.
Mas, nem sempre foi assim. Quarenta anos atrás, a seleção de Costa do Marfim
veio ao Brasil para uma série de amistosos com o objetivo de aprender a jogar
futebol.
Um deles aconteceu em Brasília, no estádio Pelezão, no dia 30 de janeiro de
1974.
E foi um jogo que não chegou ao fim, após acontecimentos deploráveis
presenciados por um diminuto público.
A princípio a partida agradou. Ambas as equipes se apresentavam com grande
disposição em campo, tocando a bola de primeira rumo ao gol adversário.
Nos primeiros quinze minutos, o Ceub aceitou o ritmo alucinante imposto pelos
africanos e teve grande dificuldade em assumir o domínio das ações. Porém, logo
após o quadro universitário passou a tocar a bola de primeira envolvendo por
completo aos adversários e levando perigo a meta defendida pelo goleiro
Clement.
Assim, boas oportunidades de gol foram perdidas aos 17, 21 e 26 minutos em boas
jogadas ceubenses. O time brasiliense era todo pressão enquanto que a seleção
marfinense apenas se defendia, às vezes com sete elementos, procurando, em
contragolpes ligeiros, surpreender à defensiva do Ceub. O primeiro tempo chegou
ao seu final com o 0 x 0 no placar.
Para o segundo tempo as equipes retornaram com o mesmo ritmo veloz de jogo e as
jogadas violentas passaram a existir em maior profusão.
Aos dez minutos surgiu o tento isolado da partida. Péricles foi à linha de
fundo, driblou a dois zagueiros e cruzou forte e rasteiro. Juraci deixou para
Julinho, que completamente impedido, não teve o mínimo trabalho em concluir
para as redes estabelecendo Ceub 1 x 0 Costa do Marfim.
Aos 27 minutos o início de toda a confusão. O quarto-zagueiro Irie cometeu
falta comum em Péricles, infração que mereceria no máximo uma advertência com
cartão amarelo, mas o jogador acabou sendo expulso pelo árbitro da partida. Os
jogadores da Costa do Marfim se revoltaram com a atitude do mediador da partida
e o jogo esteve interrompido por três minutos até que o atleta fosse retirado
de campo.
A partir daí não mais houve futebol. Num ataque africano, o jogador Alencar
cometeu falta desleal e desnecessária em Noel, numa jogada em que deveria ter
sido excluído de campo pelo árbitro, que nem sequer o advertiu. A atitude do
árbitro, usando interpretações diferentes para faltas iguais, revoltou aos
jogadores da Costa do Marfim e a violência desenfreada voltou a imperar no gramado.
Aos 38 minutos, o fim de tudo. Num lance comum, Péricles se contundiu indo ao
solo. Inexplicavelmente, o zagueiro Pedro Pradera deixou sua posição e partiu
inteiramente fora de si contra os jogadores adversários procurando atingi-los
de toda forma. O primeiro que encontrou pela frente, o goleiro Clement, foi
duramente atingido por um pontapé e formou-se a confusão. Nela se envolveram
quase todos os jogadores de ambas as equipes. Seguro o zagueiro do Ceub, todos
esperavam que a situação fosse contornada, quando ele se soltou e voltou para
distribuir pancadas.
Enquanto isso alguns torcedores que se aglomeravam junto ao alambrado na boca
do túnel e que anteriormente haviam atingido ao jogador Alencar com uma pedrada
no rosto, causando-lhe profundo corte, passaram a atirar pedras nos jogadores
africanos, chegando a atingir vários deles.
Ainda era grande a confusão no gramado, inteiramente invadido pelos populares,
quando o árbitro resolveu dar por encerrada a partida num momento em que não
havia a mínima condição de reiniciá-la.
Apesar de toda a confusão reinante, em momento algum Esquerdinha, brasileiro
treinador da Seleção de Costa do Marfim, perdeu a calma e dignidade que sempre
o caracterizaram. Falando pausadamente ele se pronunciou a respeito dos fatos
lamentáveis ocorridos no Pelezão: “A verdade é que o Ceub esperava encontrar um
adversário fácil pela frente. Conseguimos endurecer a partida e eles acabaram
apelando para a violência. Lamento porque sou brasileiro e esperava que nossa
seleção, que vem ao Brasil com o intuito de aprender, fosse recebida de outra
maneira. Estranhei não só a violência por parte dos jogadores do Ceub como
principalmente o comportamento incompreensível por parte do público que nos
agrediu a pedradas. Por tudo isso levaremos uma péssima impressão. Faltou ao
Ceub e ao público brasiliense a mínima noção de ética e senso de hospitalidade”.
O Ceub formou com Valdir, Lauro, Pedro Pradera, Adevaldo e Rildo; Alencar e
Péricles; Gilberto (Julinho), Juraci, Xisté e Gilbertinho (Gilberto).
A Seleção da Costa do Marfim alinhou Clement, Dié, Adama, Sagnaba e Irie;
Chechery e Moh; Gohi, Noel, Kobernam e Tahi. Técnico: Esquerdinha.
A arbitragem da partida esteve a cargo de Adhemar Pereira da Cruz, auxiliado
por Djalma Neves e Amphilophio Pereira da Silva. Ao árbitro coube quase que
total responsabilidade pelos acontecimentos.
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